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Exegese Al-Mizan – Capítulo Al-Fátiha, Versículo 5

ایاک نعبد و ایاک نستعین (5)

Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda! (5)

[Nota: No seguinte, as palavras "ʿibādah: adoração" e "Abd: servo" - no contexto de adorar a Deus e servo de Deus - serão analisadas. Vale ressaltar que esta análise é baseada na origem da palavra e sua raiz em árabe. Embora seu equivalente em português também seja mencionado, não se deve procurar todos os detalhes em seu equivalente em português.

No Islã, o ser humano é chamado de ʿabd de Allah: servo de Deus; um 'servo' no sentido de pertencimento incondicional, como um escravo pertence ao seu senhor, mas purificado de qualquer injustiça associada à escravidão humana. Essa relação é marcada pela criação — que é, em sua essência, um reflexo da misericórdia divina — e não por opressão. Assim, consciente de que toda sua existência emana do Senhor, a criatura se entrega em completa submissão e adoração ao seu Criador.

Por isso, optamos por 'servo absoluto' em vez de 'escravo' — mantendo a fidelidade ao sentido original árabe, mas evitando as conotações negativas da escravidão histórica.]

O termo ʿabd (servo absoluto) designa o que é propriedade de outro; no caso, o ser humano, ou até mesmo qualquer ser dotado de consciência, de acordo com o sentido mais abrangente, como se observa na passagem corânica:

إن کل من فی السموات و الأرض إلّا آتی الرحمن عبدا

“Tudo quanto existe nos céus e na terra comparecerá, como servo absoluto, ante o Clemente." (19:93)

A palavra ʿibādah (adoração) deriva diretamente desse conceito. Seus usos e formas derivadas podem variar conforme o contexto. O que foi mencionado por al-Jawharī em seu dicionário al-Ṣiḥāḥ, de que a essência da palavra é a humildade [al-Khodu'], representa, na verdade, uma inferência a partir de um dos aspectos do termo, e não corresponde totalmente. Pois, al-Khodu' (a humildade) em árabe exige uma preposição, ao passo que ʿibādah é um verbo transitivo direto.

De modo geral, pode-se dizer que ʿibādah é o ato pelo qual o servo absoluto se coloca, de forma consciente, na condição de propriedade de seu Senhor. Por essa razão, a adoração é incompatível com o orgulho e a arrogância; no entanto, em sua natureza, não se opõe à multiplicidade, sendo possível que um mesmo servo adore mais de um senhor.

O Alcorão afirma:

“Em verdade, aqueles que se ensoberbecerem, de Me adorarem, entrarão, humilhados, no inferno.” (Ghāfir, 40:60)
E também:
“...que pratique o bem e não associe ninguém ao culto d'Ele.” (al-Kahf, 18:110)

O politeísmo foi considerado possível, razão pela qual foi proibido — pois a proibição só se aplica ao que está dentro do âmbito do realizável; uma coisa que não se une com orgulho; quem é arrogante quanto a adorar, por definição, não pode estar em estado de adoração."

Na relação de propriedade entre humanos — seja sobre pessoas ou coisas —, certos aspectos escapam ao domínio do proprietário. A soberania de Allah, porém, transcende tais limitações: Sua posse é absoluta, indivisível e incompartilhável. Para o servo absoluto, não existe dimensão da existência ou ação humana que escape ao domínio divino, nem ato algum que não esteja sob Sua autoridade plena.

Para o ser humano, o domínio é relativo, o proprietário possuir alguns aspectos das propriedades, sem outros, certas formas de agir sobre elas são permitidas, enquanto outras são proibidas, porém, em relação a Deus, no entanto, Ele é soberano de modo absoluto e irrestrito, também, tudo o mais é propriedade Sua, de forma absoluta e irrestrita. Assim, estabelece-se uma dualidade exclusiva: somente Deus é Senhor em sentido absoluto, e o ser humano é, por essência, exclusivamente servo.

 É esse o sentido que se manifesta na declaração: “Somente a Ti adoramos” (iyyāka naʿbudu), em que o objeto direto (iyyāka – “a Ti”) aparece em posição antecipada, realçando a exclusividade da adoração [baseado numa técnica da língua árabe], enquanto o próprio verbo “adoramos” é expresso de forma absoluta, sem restrições ou qualificações ou condição.

[No trecho a seguir, explica-se por que o modo de enunciação no texto sagrado mudou de um sujeito ausente para um destinatário direto.

A técnica retórica de alternar entre referências ao ausente e ao destinatário é amplamente valorizada na interpretação, por seus múltiplos efeitos.]

Além disso, uma vez que toda a existência do servo é propriedade de seu Senhor e concedida por Ele — como já foi explicado —, nada do que pertence ao servo é oculto diante de Deus, nem pode ocultá-LO. Por exemplo, ao contemplar-se uma casa, se ela é considerada apenas como uma edificação, pode-se ignorar quem a possui; no entanto, ao reconhecê-la como propriedade de alguém, a lembrança de seu dono torna-se inevitável.
Da mesma forma, como tudo quanto existe fora de Deus é, por essência, servo, criatura e propriedade exclusiva d'Ele, nada na criação pode ocultá-LO, nem mesmo existir sem referência ao Criador. Assim fica claro que: Deus está em estado de presença absoluta.

Como Ele diz:

“Acaso não basta que teu Senhor é testemunha de todas as coisas? Mas eles estão em dúvida sobre o encontro com seu Senhor. Ora, Ele abrange todas as coisas.” (Fussilat, 41:53-54)

Sendo assim, a adoração de Deus — exaltado seja — deve realizar-se com presença de ambas as partes.

Da parte do Senhor — glorificado seja —, isso significa que Ele deve ser adorado como um Deus presente, e é precisamente essa consciência que motiva a mudança de perspectiva expressa no versículo "Só a Ti adoramos" (iyyāka naʿbudu), onde há uma passagem do ausente ao presente. [Antes deste versículo, Deus era louvado como um sujeito ausente.]

Já da parte do servo, sua adoração deve ser a de alguém que está plenamente presente, e não uma prática vazia, meramente formal, sem alma ou conteúdo interior. Não deve, tampouco, dividir sua atenção entre Deus e outra coisa, seja de forma explícita e visível — como no caso dos idólatras que associam a adoração de Deus à dos ídolos —, seja de forma interior, como quem adora a Deus, mas seu coração está voltado a outros interesses e objetivos.

Por exemplo, quem adora com a mente ocupada por desejos ou metas mundanas — ou até mesmo por metas que são espirituais —, como buscar o paraíso ou temer o inferno, acaba por inserir parceiros em sua adoração. Isso constitui uma forma sutil de associação (shirk), contra a qual o Alcorão adverte:
“Adora, pois, a Deus, com devoção sincera.” (Az-Zumar, 39:2),
e ainda:
“A Deus pertence a religião pura. E aqueles que tomaram protetores fora d’Ele dizem: ‘Nós os adoramos apenas para que nos aproximem de Deus.’ Certamente, Deus julgará entre eles quanto ao que divergem.” (Az-Zumar, 39:3).

Assim, a adoração só é verdadeira quando realizada com pureza interior e sinceridade de intenção (ikhlas) — isto é, com plena presença do servo. E isso só se concretiza quando ele não se ocupa com nada além de Deus em sua prática: não associa outro a Ele, nem volta o coração a algo que não seja o Seu rosto. Não adora apenas por temor do inferno ou por desejo de recompensas, pois, nesse caso, sua adoração não seria voltada a Deus em Si, mas aos benefícios esperados.

Do mesmo modo, não deve estar centrado em si mesmo, pois isso contradiz a essência da servidão, que é incompatível com o ego e com a arrogância. É possível que o uso do pronome na forma plural — nós — no versículo "Só a Ti adoramos" tenha sido escolhido para sugerir essa verdade sutil: ele suprime o destaque do “eu”, diluindo o indivíduo no coletivo, apagando o traço do ego e da individualidade, que são barreiras à plena servidão.

A partir de tudo o que foi exposto, torna-se evidente que a expressão de servidão absoluta contida nas palavras "Somente a Ti adoramos" (iyyāka naʿbudu) não incorre, em si mesma, em imperfeição quanto ao conteúdo ou à sinceridade da intenção — a não ser pelo fato de que o servo, ao atribuir a adoração a si próprio, parece sugerir uma espécie de autonomia no ser, no poder e na vontade. No entanto, sendo o servo essencialmente propriedade de seu Senhor, e o que é possuído não possuindo nada por si, essa atribuição carrega implicitamente um resquício de independência existencial.

Por isso, é como se tal aparente imprecisão fosse compensada pela continuação: “e só de Ti imploramos ajuda” (wa iyyāka nastaʿīn), como se dissesse: “Atribuímos a Ti o ato da adoração — realizando-o, no entanto, conscientes de que só é possível fazê-lo com o Teu auxílio; no qual se dissolve toda pretensão de autonomia ou de nossa capacidade própria.

Assim, a frase completa "Somente a Ti adoramos e somente de Ti buscamos ajuda" expressa, na verdade, uma única realidade: a adoração com pureza e exclusividade sinceras (ikhlāṣ).

É possível que essa seja a razão pela qual adorar e buscar auxílio (naʿbudu / nastaʿīn) aparecem lado a lado no mesmo registro discursivo, sem que se mude para outra fórmula como: "Somente a Ti adoramos, ajuda-nos ".

A transição discursiva para o novo modelo no versículo subsequente — 'Guia-nos ao caminho reto' (ihdinā al-ṣirāṭa al-mustaqīm), será analisada posteriormente, se Deus quiser.

Com isso, tornam-se claras — à luz do que foi analisado — várias camadas de significado na declaração "Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda":

  • O motivo da mudança do discurso indireto (ausente) para o direto (destinatário)
  • A razão do uso da ênfase por meio da antecipação do objeto direto ("a Ti") [no texto original]
  • O sentido do uso absoluto do verbo "adoramos" sem restrições,
  • O porquê do uso da forma verbal no plural inclusivo ("nós"),
  • E, por fim, a relação entre a primeira e a segunda proposição, bem como o motivo pelo qual ambas compartilham o mesmo estilo e estrutura.

Os exegetas mencionam ainda outros pontos sutis relacionados a essa passagem, que podem ser consultados em suas obras. E Deus — exaltado seja — é o Senhor de tudo, a Quem pertencem todos os direitos, e cuja dívida jamais será quitada.

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