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Exegese Al-Mizan – Introdução
A Famosa Interpretação do Alcorão pelo Alcorão - Allama Sayyid Muhammad Hussain At-Tabatabaí

Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

Louvado seja Deus, que revelou o Discernimento (o Alcorão) ao Seu servo para que fosse um admoestador da humanidade. E que a paz esteja sobre aquele [o Profeta Muhammad] que Ele o envio como admoestador, testemunha e anunciador de boas-novas; aquele que convoca para Deus com Sua permissão e é uma luz brilhante. E, que a bênção esteja sobre sua família, aquela que Deus purificou e afastou de toda impureza, (Ahlul Bayt), purificando-os completamente.

Introdução

Nesta introdução, apresentamos brevemente o método de pesquisa utilizado no livro, sobre os significados dos versículos do Alcorão Sagrado.

A exegese (Tafsir), que consiste na explicação dos significados dos versículos e revelação de suas intenções, é uma das mais antigas áreas de estudo corânico entre os muçulmanos. A história disso, chamada de Tafsir, começou na mesma época da revelação do Alcorão, tal como este versículo indica:

“Assim como enviamos entre vós um Mensageiro, vindo de vós mesmos, que vos recita Nossos versículos, vos purifica e vos ensina o Livro e a Sabedoria.” (Al-Bácara, 2:151)

A primeira geração de exegetas muçulmanos foi composta por um grupo de companheiros do Profeta (excetuando-se Ali, que, junto com os Imames de sua descendência, possui um papel distinto, que será abordado posteriormente). Entre esses exegetas estavam Ibn Abbas, Abdullah ibn Umar, Ubayy ibn Ka‘b, entre outros, que se dedicaram a essa ciência.

Naquela época, a pesquisa exegética se limitava principalmente à explicação dos aspectos linguísticos e contextuais dos versículos, aos motivos e aspectos da revelação (asbab an-nuzul), e um pouco interpretar alguns dos versículos por outro versículo, e assim, um pouco interpretar pelas narrações do Profeta (S.A.A.S.) para esclarecer histórias do Alcorão, conceitos sobre a origem da criação e a ressurreição, entre outros temas.

Assim foi a abordagem entre os exegetas (mufassirun) da segunda geração (Tabi‘un) como Mujahid, Qatada, Ibn Abi Layla, Ash-Sha‘bi, As-Suddi, entre outros, nos dois primeiros séculos da Hégira. Eles não acrescentaram nada ao método de seus predecessores exceto um aumento no uso de narrações (riwaya) na interpretação (tafsir).

Entre essas narrações, algumas foram falsificadas e inseridas por judeus ou outros grupos, incluindo histórias antigas e conhecimentos relacionados à criação, como:  a origem dos céus, a formação da terra e dos mares, o mito de iram; o jardim de Shaddad, os supostos erros dos profetas, a distorção do Livro e outras questões desse tipo.

Algumas dessas narrativas também podiam ser encontradas em relatos de interpretação (ou em outros assuntos) de alguns companheiros (sahaba).

Depois, vários fatores influenciaram a interpretação:

Com a expansão do pensamento teológico (kalam), iniciou-se um intenso debate entre os muçulmanos durante o período dos califas. Isso ocorreu devido ao contato com diversas seitas e crenças das nações conquistadas, bem como com estudiosos de diferentes religiões e escolas de pensamento.

Além disso, a transferência da filosofia grega para a língua árabe começou no final do primeiro século da Hégira, sob o domínio dos Omíadas, e se intensificou na era dos Abássidas. Isso levou à propagação do pensamento filosófico entre os estudiosos muçulmanos.

Ao mesmo tempo, o sufismo surgiu paralelamente à expansão da filosofia, atraindo aqueles que buscavam conhecimento religioso por meio da ascese e da purificação espiritual, em vez do debate racional e verbal.

Por outro lado, um grupo (Ahlul Hadith) permaneceu excessivamente devoto e rígido às aparências da religião, limitando-se à interpretação literal das escrituras, sem aprofundamento, restringindo sua análise apenas aos aspectos linguísticos do texto.

Diante dessa diversidade, os estudiosos da exegese se dividiram em diferentes abordagens interpretativas, à medida que os conflitos teológicos entre as escolas cresciam.

A única crença unificadora que restava entre eles era a proclamação:
"Não há divindade além de Deus, e Muhammad é o Mensageiro de Deus."
No entanto, divergiam sobre os Nomes e Atributos divinos, os Atos de Deus, os céus [mencionados no Alcroão] e seus conteúdos, a terra e tudo o que nela existe, o destino (qada' wa qadar), a predestinação e o livre-arbítrio, a recompensa e o castigo, a morte, o mundo intermediário (barzakh), a ressurreição, o Paraíso e o Inferno.

Em resumo, discordavam sobre tudo o que se relacionava, direta ou indiretamente, com os conceitos religiosos, andando diferentes métodos de interpretação dos versículos do Alcorão, cada um preservando sua própria escola e doutrina.

Os tradicionalistas (muhaddithun), por sua vez, limitaram-se à exegese baseada em narrativas transmitidas pelos companheiros e seus sucessores (Tabi‘un), seguindo-as rigidamente, pararam diante dos versículos cuja interpretação não foi claramente relatada, apoiando-se, simplesmente, à palavra de Deus:
“Mas aqueles firmes no conhecimento dizem: ‘Cremos nele, tudo provém de nosso Senhor.” (Aal ‘Imran, 3:7)No entanto, cometeram um erro nessa abordagem, pois Deus, o Altíssimo, não invalidou o papel da razão (‘aql) em Seu Livro. Como seria possível, uma vez que a própria autenticidade do Alcorão é reconhecida por meio da razão?

Também, Ele não declarou infalíveis, as palavras e opiniões dos companheiros e seus seguidores, visto que há entre eles enormes divergências. Tampouco Deus chamou as pessoas à sofisma, aceitando contradições e inconsistências nas interpretações. Pelo contrário, Ele ordenou que o Alcorão fosse refletido e ponderado, pois essa é a maneira de remover qualquer aparente contradição e reconheceu o Alcorão como orientação, luz e explicação para todas as coisas (tibyān li-kulli shay’).

Então, como a luz precisaria ser iluminada por outra luz?
Por que a orientação precisaria ser guiada por algo além de si mesma?
E como algo que é uma explicação para todas as coisas necessitaria de algo externo para se tornar claro?

Quanto aos teólogos (mutakallimūn), suas inclinações doutrinárias divergentes os levaram a interpretar o Alcorão de acordo com seus próprios credos. Eles aceitavam os versículos que foram alinhados com sua visão e reinterpretavam aqueles que foram contra suas crenças, moldando-os conforme as opiniões e limitações de suas escolas teológicas.

A adoção de doutrinas específicas e a construção de métodos particulares de interpretação podem ter origem na diferença de perspectivas intelectuais, mas também podem ser influenciadas por tradições, preconceitos étnicos e nacionalismos que agora não é o espaço para analisa-los em detalhes, mas é importante notar que esse método se assemelha mais a uma “adaptação” (tatbīq) do Alcorão a ideias preexistentes do que a uma verdadeira “interpretação” (tafsīr).

Há uma grande diferença entre alguém que, ao buscar o significado de um versículo, pergunta: "O que o Alcorão diz?" ou " Que significado devemos tirar do Alcorão?"

A primeira abordagem exige que a pessoa esqueça suas opiniões prévias ao analisar um versículo.

A segunda abordagem, no entanto, impõe pressuposições sobre o Alcorão, aceita-as como verdadeiras e constrói sua interpretação a partir disso.

É óbvio que esse segundo método não é uma verdadeira busca pelo significado do Alcorão, mas sim uma imposição de conceitos externos sobre ele.

Quanto aos filósofos, aconteceu com eles o mesmo que ocorreu com os teólogos exegetas (mutakallimūn): caíram na armadilha de adaptar (tatbīq) o Alcorão às suas doutrinas e, reinterpretar (ta’wīl) os versículos que aparentemente contradiziam os princípios estabelecidos da sua filosofia.

Quero dizer, a filosofia no sentido mais amplo, incluindo: a matemática, as ciências naturais, a teologia e a filosofia da teologia; especialmente dos peripatéticos (mashshā’ūn). Eles reinterpretaram os versículos sobre metafísica, criação dos céus e da terra, a vida após a morte (barzakh) e o Dia do Juízo Final. Eles chegaram ao ponto de reinterpretar até os versículos que não concordaram com as hipóteses estabelecidos pela ciência natural, como o sistema dos astros e esferas celestes, a organização dos elementos e as leis da astronomia e da física [antiga].

No entanto, eles próprios admitiram que essas doutrinas filosóficas foram baseadas em princípios convencionais (uṣūl mawdū‘a), que não foram nem evidentes por si mesmos nem comprovados por argumentos definitivos.

Quanto aos sufis, devido à sua dedicação ao mundo interior da criação (al-‘ālam al-bātin) e à preocupação com os Sinais espirituais (āyāt anfusiyya), deixando de lado o mundo material e os Sinais do universo exterior (āyāt āfāqiyya), eles restringiram-se apenas à interpretação alegórica (ta’wīl), negligenciando o contexto e a interpretação literal (tanzīl).

Isso levou as pessoas a se atreverem à interpretação alegórica excessivamente, Compondo versos místicos de significado ambíguo e retirando significados de qualquer coisa para justificar qualquer coisa. O resultado foi uma interpretação descontrolado, onde se começou a interpretar os versículos com cálculos numerológicos (ḥisāb al-jummal), dividindo as palavras em letras e símbolos de luz e trevas, entre outros métodos esotéricos sem fundamento.

É claro que o Alcorão não foi revelado apenas para os sufis, nem seus destinatários eram exclusivamente especialistas em numerologia, ocultismo e muito menos foi baseado nos sistemas de astrologia, transmitidos da civilização grega para os territórios árabes, décadas após a Era da Revelação.

É verdade que existem narrações do Profeta (S.A.A.S.) e dos Imames da Ahlul Bayt (A.S.) que afirmam que: "O Alcorão tem um significado aparente (ẓāhir) e um significado oculto (bāṭin), e esse significado oculto tem ainda outros níveis internos, até sete ou setenta camadas."

Porém, os Imames (A.S.) sempre consideraram tanto o significado aparente quanto o oculto, e valorizaram o tanzīl (o significado aparente) tanto quanto o ta’wīl (o significado oculto).

No início do capítulo Aal ‘Imran (cap. 3), explicaremos, se Deus quiser, que o conceito de ta’wīl, entendido como um significado distinto do aparente, é uma construção linguística que surgiu posteriormente entre os muçulmanos. Na realidade, quando o Alcorão menciona o termo ta’wīl, não se refere a um conceito ou significado [mas sim a uma realidade concreta, que não se reduz a um mero conceito].

Nos tempos modernos, surgiu um novo método de interpretação do Alcorão, onde alguns dos que afirmam ser muçulmanos, após se aprofundarem nas ciências naturais e nas ciências sociais baseadas na experimentação e estatística, adotaram filosofias materialistas ocidentais, como: o positivismo, que sustenta que o único conhecimento válido é o empírico e observável.

Ou, o pragmatismo, que afirma que o conhecimento só tem valor se puder ser aplicado na prática e atender às necessidades desta vida.

Então, eles afirmaram que as verdades religiosas não podem contradizer os métodos científicos, e que a única visão correta é: "Nada existe além da matéria e de suas propriedades sensíveis."

Portanto, segundo eles, tudo o que o Alcorão menciona e que parece contradizer a ciência, como o Trono (al-‘Arsh), o Escabelo (al-Kursī), a Tábua Preservada (al-Lawḥ al-Maḥfūẓ) e a Pena Divina (al-Qalam), deve ser reinterpretado como algo que seja aceito pela ciência.

E as entidades cuja existência é aprovada no Alcorão, mas que não são abordadas pelas ciências naturais — como as realidades do Além —, estas devem ser reinterpretadas de acordo com os princípios das leis materiais.

Por exemplo, os fundamentos da religião divina, incluindo conceitos como revelação, anjos, Satanás, profecia, e imamato, mesmo que são considerados meramente espirituais, no entanto, sob essa perspectiva, o espírito é reduzido a uma manifestação da matéria, sendo uma propriedade entre outras propriedades materiais. A legislação profética, por sua vez, é concebida como uma forma particular de genialidade social, cujas normas são estabelecidas com base em ideias supostamente boas, para construção uma sociedade justa e evoluída.

Afirmam que, devido à diversidade de fontes, algumas inconfiáveis, as narrações (aḥādīth) não podem ser consideradas referências seguras, exceto quando estiverem em conformidade com o próprio Alcorão. E, o Alcorão, também, não deve ser interpretado com base em correntes filosóficas e teológicas racionais, pois, segundo essa visão, qualquer metodologia que não siga o método empírico-científico é inválida.

Consequentemente, o Alcorão deve ser interpretado de forma autossuficiente, exceto nos casos em que a ciência ofereça explicações complementares.

Esses pressupostos metodológicos, derivados da primazia conferida à experiência sensível e à observação empírica, conduziram os proponentes dessa abordagem a um modelo específico de exegese. Todavia, a questão, agora, não está na legitimidade dos fundamentos científicos e filosóficos que adotaram, mas sim no fato de que a crítica que dirigiram aos exegetas anteriores — de impor concepções externas ao Alcorão — igualmente se dirigia a eles mesmos, embora que afirmem o seu método é interpretar o Alcorão pelo próprio Alcorão. Caso não, por que tratam as teorias científicas contemporâneas como verdades incontestáveis, isentas de qualquer questionamento?!

Dessa forma, eles não promoveram nenhuma reforma nos equívocos de seus predecessores.   

Uma análise criteriosa dessas abordagens interpretativas revela um problema metodológico comum a todas elas: a imposição de resultados científicos ou filosóficos externos aos significados intrínsecos dos versículos. Essa prática converte a exegese (tafsīr) em adaptação (tathbīq). Como consequência, muitas verdades corânicas são reduzidas a figuras de linguagem, e a literalidade de inúmeros versículos é reinterpretada como alegoria.

No início, já indicamos que, se aceitarmos a premissa de que o Alcorão — que se apresenta como uma orientação para a humanidade, uma luz evidente e uma explicação para todas as coisas — necessitaria de algo externo para ser compreendido e elucidado, surge uma questão fundamental: o que seria essa referência externa? Qual sua natureza? Como ela guiaria para o entendimento do Alcorão? E, caso houvesse divergência sobre sua interpretação, qual seria a fonte definitiva para julgar e resolver? De fato, tal divergências existem e são intensas.

No entanto, essa controvérsia não surgiu devido a diferenças na compreensão dos significados linguísticos das palavras e frases do Alcorão, pois ele é um texto claro e eloquente em árabe. Seu entendimento não representa dificuldade para quem domina a língua e suas estruturas.

Entre os milhares de versículos do Alcorão, não há um único que seja intrinsecamente obscuro ou excessivamente complexo a ponto de a mente humana não conseguir apreender seu significado. Como poderia ser de outra forma, sendo ele o ápice da eloquência, cuja característica essencial é a ausência de ambiguidade e complicação? Até mesmo os versículos classificados como "ambíguos" (mutashābihāt), como os ab-rogados (mansūkh), são, em si mesmos, perfeitamente compreensíveis em seu significado aparente. A dificuldade reside, portanto, não na formulação do texto, mas na identificação precisa de sua intenção e aplicação.

A dificuldade está na correspondência dos conceitos e suas realidades concretas, ou seja, na relação entre os significados das palavras, sejam elas simples ou compostos, e suas respectivas manifestações no mundo real.

Para esclarecer essa questão, é necessário compreender que nossa experiência cotidiana e o hábito moldam nossa maneira de associar palavras aos seus significados. Portanto, estamos acostumados a relacionar imediatamente os termos com conceitos materiais, pois nossa existência terrena se dá no âmbito da matéria. Assim, quando ouvimos palavras como "vida", "ciência", "poder", "audição", "visão", "fala", "vontade", "satisfação", "ira", "criação" e "ordem", tendemos a associá-las a suas formas materiais conhecidas.

O mesmo ocorre com termos como "céu", "terra", "tábua", "pena", "trono", "escabelo", "anjo", "asas", "Satanás" e seu exército, entre outros — nossa mente imediatamente os associa às suas formas naturais e tangíveis.

E, assim, se ouvirmos: 'Deus criou o mundo’, ‘realizou uma ação, ‘sabia alguma coisa

, ‘quis ou quer’ ou ‘desejou ou deseja alguma coisa', limitamos a ação ao tempo, interpretando-a com base no que nos é familiar.

Da mesma forma, quando lemos versículos como "E, junto a Nós, há ainda mais" ou "... certamente a teríamos tomado de junto de Nós...", “O que é diante de Deus, é o melhor”, e “para Ele se retornarão”, nossa percepção inicial é influenciada por noções habituais de espaço e localização.

Quando lemos "Se quisermos destruir uma cidade, ordenamos aos seus líderes corruptos...", ou "E queremos agraciar aqueles que foram oprimidos", ou ainda "Deus deseja para vós a facilidade", assumimos que todas essas expressões refletem um único tipo de "vontade", pois essa é a forma como entendemos no contexto humano.

O mesmo raciocínio se aplica a todas as palavras que empregamos na comunicação. Esse fenômeno é natural, pois a linguagem surgiu da necessidade social de comunicação e entendimento mútuo. A sociedade, por sua vez, serve ao ser humano como meio de alcançar sua plenitude na vida material. Por isso, os termos foram originalmente estabelecidos como sinais para designar objetos e ações que servem aos propósitos humanos.

Entretanto, deveríamos ter notado que os objetos materiais aos quais atribuímos nomes, estão sujeitos a constantes mudanças e transformações conforme nossas necessidades evoluem. Por exemplo, o conceito de "lâmpada" mudou drasticamente ao longo da história: desde uma simples vasilha com pavio e óleo, até as modernas lâmpadas elétricas. Apesar dessa transformação, o termo "lâmpada" permaneceu.

O mesmo se aplica a instrumentos de medição, armamentos e outros itens que, embora tenham se modificado completamente em sua forma, continuam sendo chamados pelos mesmos nomes. Isso ocorre porque o que define um nome não é a forma material do objeto, mas sim sua função e propósito. Enquanto o objetivo inicial de um instrumento for preservado, seu nome também se mantém.

Assim, deveríamos estar cientes de que a validade de um termo depende da preservação de sua função essencial e não na rigidez da palavra em uma única forma. Nossa compreensão linguística, como ser humano, determina isso.

Portanto, o que levou os imitadores, entre os seguidores do Hadith (como os Hashwiyya e os Mujassima), a se apegarem às aparências dos versículos na interpretação, na verdade, não representa uma fidelidade literal ao significado do texto, mas sim uma aderência aos seus hábitos e à familiaridade na identificação dos referentes.

Porém, entre os próprios versículos há aspectos que demonstram que confiar no hábito e na familiaridade para compreender os significados das passagens corânicas pode obscurecer seus objetivos e comprometer sua correta interpretação. Isso é evidente em versículos como: "Nada se assemelha a Ele" (Alcorão 42:11), " Os olhares não podem percebê-Lo, não obstante Ele Se aperceber de todos os olhares, porque Ele é o Onisciente, o Sutilíssimo. " (Alcorão 6:103), e "Glorificado seja Deus por aquilo que descrevem" (Alcorão 37:159).

Essa constatação levou as pessoas a não se limitarem a uma compreensão convencional, também, a não associarem os significados das passagens apenas ao que é imediatamente familiar à mente.

Assim como o desejo de evitar erros e alcançar conclusões desconhecidas impulsionou o ser humano a recorrer à investigação científica, permitiu-se também que o estudo e a análise desempenhassem um papel na compreensão das realidades do Alcorão e na identificação de seus propósitos elevados.

Essa abordagem pode seguir dois caminhos:

1. Primeiramente, investiga-se um determinado tema abordado pelo versículo, a partir de uma perspectiva científica, filosófica ou outra, até se chegar a uma conclusão. Em seguida, o versículo é interpretado de acordo com essa conclusão. Embora esse método seja aceitável em investigações teóricas, ele não está em conformidade com a abordagem do próprio Alcorão, como já foi esclarecido.

2. Interpretação do Alcorão pelo Alcorão: Essa abordagem consiste em esclarecer o significado de um versículo à luz de outros versículos correlatos, conforme recomendado pelo próprio Alcorão. Dessa forma, os conceitos são identificados e os referentes são determinados a partir das características fornecidas pelo próprio texto sagrado. Como Deus afirma: "Nós te revelamos o Livro como uma explicação para todas as coisas" (Alcorão 16:89). Se o Alcorão é uma explicação para todas as coisas, certamente também o é para si mesmo. Deus também apresenta o Alcorão como: "Guia para a humanidade e evidências claras da orientação e do discernimento" (Alcorão 2:185), e "Com efeito, enviamos a vocês uma luz evidente" (Alcorão 4:174). Como poderia o Alcorão ser orientação, evidência e luz para todas as necessidades humanas, mas não ser suficiente para esclarecer seu próprio significado, que é a necessidade mais essencial? Além disso, Deus afirma: "Aqueles que se esforçam por Nossa causa, certamente os guiaremos a Nossos caminhos" (Alcorão 29:69), e Que esforço poderia ser maior do que aquele dedicado à compreensão do Livro de Deus? E, que caminho é mais guiado do que o próprio Alcorão?

Há inúmeros outros versículos nesse sentido, que serão abordados com mais profundidade, no início do capítulo Aal 'Imran (3), ao analisar a distinção entre os versículos claros e ambíguos.

Além disso:

o Profeta Muhammad (S.A.A.S.) foi ensinado pelo próprio Alcorão e designado como seu intérprete, como afirmam os versículos: " O Espírito Confiável desceu com ele (o Alcorão) sobre o teu coração, para que sejas dos que advertem. " (Alcorão 26:193-194), "E enviamos a ti a Mensagem para que esclareças às pessoas o que lhes foi revelado" (Alcorão 16:44), e " ... um Mensageiro dentre eles, que lhes recita Seus versículos, purifica-os e lhes ensina o Livro e a Sabedoria " (Alcorão 62:2).

A Família do Profeta (Ahlul Bayt), que ele (S.A.A.S.) estabeleceu na mesma posição, também desempenham um papel central na explicação do Alcorão, conforme a famosa narração; Thaqalain: "Deixo entre vós duas coisas preciosas: o Livro de Deus e a minha Família. Se vos apegardes a ambos, nunca vos desviareis, pois eles jamais se separarão até que venham a mim junto ao lago". Deus confirmou essa autoridade ao declarar: "Deus deseja apenas afastar de vós a impureza, ó Gente da Casa, e vos purificar integralmente" (Alcorão 33:33). Ele também afirma: "É, sem dúvida, um Alcorão nobre, em um Livro resguardado, que ninguém toca, exceto os purificados" (Alcorão 56:77-79).

Conforme evidenciado pelos relatos que chegaram até nós sobre exegese do Ahlul Bait (A.S.), o seu método na explicação do Alcorão segue exatamente a mesma abordagem de interpretação do Alcorão pelo Alcorão. Na análise dessas tradições, não encontramos sequer um exemplo em que a interpretação de um versículo tenha sido baseada exclusivamente em uma argumentação filosófica ou uma hipótese científica.

O Profeta (S.A.A.S.) também afirmou: " Quando as tramas vos cercarem como a escuridão da noite, apegai-vos ao Alcorão. Ele é um intercessor cuja intercessão será aceita e um testemunho cuja veracidade será confirmada. Quem o tomar como guia, será conduzido ao Paraíso, e quem o negligenciar, será arrastado ao Inferno. Ele é a guia para o melhor caminho, um Livro detalhado, uma explanação clara e uma fonte de conhecimento. Ele não é brincadeira, mas um critério absoluto. Possui um exterior sábio e um interior profundo. Tem estrelas e, acima delas, outras estrelas. Suas maravilhas são inesgotáveis, e seus mistérios jamais envelhecem. Contém as lâmpadas da orientação e os sinais da sabedoria. Ele é o guia para tudo o bem, perante aquele que possui equidade. Portanto, que o homem atento abra seus olhos e que o homem direcione seu olhar e concentre sua atenção nessas qualidades, será salvo da destruição e liberto das adversidades. pois a reflexão é a vida do coração iluminado, assim como aquele que caminha na escuridão é orientado pela luz. Torna-se hábil em encontrar uma saída, e a hesitação diminui.”

O Imam Ali (A.S.) também declarou, conforme registrado no Nahj al-Balagha: "O Alcorão, uma parte dele fala pela outra, e uma parte testemunha a favor da outra".

Esse é o caminho reto e a abordagem correta seguida pelos verdadeiros mestres e guias do Alcorão (A.S.).

Com a ajuda de Deus, apresentaremos uma exegese das passagens sagradas, baseada nessa metodologia, evitando-se recorrer a argumentações filosóficas abstratas, suposições científicas ou experiências místicas subjetivas [para descobrir os propósitos do Alcorão].

Nos evitaremos os pontos exteriores exceto princípios linguísticos e lógicos fundamentais necessários para a compreensão da estrutura da língua árabe, bem como de noções básicas e universais que são amplamente aceitas pelo entendimento humano.

Assim, os seguintes tópicos serão abordados:

1. Os conhecimentos relacionados aos Nomes e Atributos de Deus, como vida, ciência, poder, audição, visão, unicidade, entre outros.

Quanto à Sua essência, o próprio Alcorão a considera isenta de necessidade de explicação.

2. Os conhecimentos relacionados aos Seus atos, como criação, comando, vontade, decreto, orientação e desviar, providência e destino, coerção e delegação, satisfação e descontentamento, entre outros.

3. Os conhecimentos sobre os intermediários entre Deus e o ser humano, como os véus, a Tábua e a Pena, o Trono e o Escabelo, a al-Bait al- Ma'mur, os céus e a terra, os anjos, os demônios e os gênios, entre outros.

4. Os conhecimentos sobre o ser humano antes da vida terrena.

5. Os conhecimentos sobre o ser humano no mundo, incluindo a história da humanidade, o autoconhecimento (ciência da alma), os princípios da vida social, a profecia, a revelação, a inspiração, os Livros sagrados, a religião e a Lei divina.

Essa categoria, também se inclui as posições dos profetas, entendidas das narrativas relatadas no Alcorão.

6. Os conhecimentos sobre o ser humano após a vida terrena, abrangendo o mundo intermediário (barzakh) e a ressurreição (ma'ad).

7. Os conhecimentos sobre a ética humana, incluindo os níveis espirituais dos servos de Deus no caminho da adoração, como o Islã, a fé, a excelência (ihsan), a submissão (ikhbat) e a sinceridade (ikhlas), entre outros.

No que se refere aos versículos legais (Āyāt al-Aḥkām) do Alcorão, evitamos detalhá-los, pois sua análise pertence ao campo da jurisprudência.

Essa abordagem metodológica permitiu eliminar a noção de "interpretação alegórica" no sentido de atribuir significados contrários ao aparente dos versículos. No entanto, quanto ao conceito de “Ta’wil” mencionado no Alcorão, ficará evidente que não se trata de significados comuns, mas sim refere-se a uma realidade objetiva.

Além disso, incluímos ao final de nossas explicações, uma seleção de estudos baseados em narrativas, citando as tradições transmitidas do Profeta (S.A.A.S.) e dos Imames da Casa Profética (Ahlul Bayt) através de fontes tanto sunitas quanto xiitas.  

No entanto, quanto às narrativas de exegetas entre os Companheiros e Seguidores (As-Sahābah e At-Tābiʿīn), dado que apresentam contradições e inconsistências, elas não são consideradas provas válidas para os muçulmanos.

O estudioso que examinar cuidadosamente as tradições transmitidas dos Imames (A.S.) verá que essa abordagem exegética adotada neste livro é, na verdade, o método mais antigo e autêntico de interpretação, seguido pelos verdadeiros mestres do Alcorão [Ahlul Bait].

E, ao final de cada seção, incluímos pesquisas complementares em filosofia, ciência, história, sociologia e ética, limitando cada estudo às premissas adequadas ao seu escopo, sem extrapolar os limites da seção correspondente.

Pedimos a Deus orientação e retidão, pois Ele é o melhor Auxiliador e Guia.

O Servo Necessitado de Deus
Muhammad Hussain At-Tabatabaí

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