إن الله لا يستحيي أن يضرب مثلا ما بعوضة فما فوقها فأما الذين آمنوا فيعلمون أنه الحق من ربهم وأما الذين كفروا فيقولون ما ذا أراد الله بهذا مثلا يضل به كثيرا ويهدي به كثيرا وما يضل به إلا الفاسقين ـ ٢٦. الذين ينقضون عهد الله من بعد ميثاقه ويقطعون ما أمر الله به أن يوصل ويفسدون في الارض أؤلئك هم الخاسرون ـ ٢٧.
26. Allah não Se furta em exemplificar com um insignificante mosquito ou com algo superior (ou inferior) a ele. E os crentes sabem que esta é a verdade emanada de seu Senhor. Quanto aos incrédulos, asseveram: Que quererá significar Allah com tal exemplo? Com isso Ele desvia muitos e encaminha a muitos outros. Mas, com isso, só desvia os depravados, 27. Que violam o pacto com Allah, depois de o terem concluído; separam o que Allah tem ordenado manter unido e fazem corrupção na terra. Estes serão os perdedores.
Interpretação
Disse Deus, exaltado seja: "Deus não Se envergonha de propor uma parábola, seja ela de um mosquito..." – um ser vivo bem conhecido, sendo um dos menores entre os seres perceptíveis pelos sentidos. Este versículo e o seguinte se assemelham ao que consta na sura ar-Raʿd: “Acaso quem sabe que aquilo que foi revelado a ti, da parte de teu Senhor, é a verdade, é igual àquele que é cego? Apenas os dotados de discernimento refletem: os que cumprem o pacto com Deus e não rompem o compromisso; os que mantêm os laços que Deus ordenou que fossem mantidos...” (13:19–21).
Um nível da cegueira e o desvio como castigo para os pecados humanos
O versículo em análise evidencia que há formas de desvio e cegueira espiritual que se manifestam como consequência das más ações do ser humano – diferentes daquelas que já existem por natureza ou escolha própria. Isso se infere claramente da declaração divina: “E Ele não desvia senão os perversos” – indicando que o desvio dado por Deus, se dá após o ato de perversidade, e não antes dele.
Além disso, os conceitos de orientação e desvio são termos abrangentes que incluem todas as formas de honra e desamparo que Deus concede aos seres humanos, sejam eles bem-aventurados ou condenados. Assim, nas Escrituras, Deus descreve os bem-aventurados como aqueles a quem Ele concede uma vida plena, fortalece com o espírito da fé, guia da escuridão à luz, proporciona uma luz própria para que caminhem, e Ele mesmo é seu protetor: não sentirão medo, nem pesar. Deus está com eles, responde às suas súplicas, lembra-se deles quando O mencionam, e envia anjos que lhes transmitem boas novas e paz, entre outras dádivas.
Em contrapartida, os infelizes são descritos como aqueles a quem Deus desvia, conduz das luzes às trevas, sela seus corações, ouvidos e olhos com véus, desfigura seus rostos e impõe grilhões em seus pescoços, que lhes chegam até os queixos, e assim estão com as cabeças erguidas (impedidos de ver a verdade). Coloca barreiras diante e atrás deles, tornando-os cegos. Deus lhes designa demônios companheiros, que os afastam do caminho reto, embora pensem estar bem orientados; estes demônios embelezam suas ações e se tornam seus aliados. Deus os conduz gradualmente à perdição, de forma sutil, dá-lhes prazo, pois Seu plano é firme. Engana-os e os deixa imersos em sua arrogância e cegueira.
A Vida Tríplice do Ser Humano
Essas descrições revelam que, além da vida biológica visível, o ser humano possui, neste mundo, uma vida interior paralela, que pode ser feliz ou miserável, dependendo de suas raízes espirituais. Essa realidade se tornará manifesta quando os véus forem removidos e as causas materiais cessarem [após morte]. Também se depreende da palavra de Deus que há uma existência anterior à vida terrena, que influencia a atual, e que esta, por sua vez, condiciona a existência futura.
Em outras palavras, o ser humano vive entre três fases existenciais: uma anterior, uma presente e uma futura. A vida posterior está ligada às ações realizadas nesta existência, e esta, por sua vez, é influenciada pela anterior. Assim, o ser humano, enquanto vive neste mundo, está entre duas vidas: uma que o precede e outra que o aguarda – essa é a visão claramente apresentada no Alcorão.
A maioria dos exegetas, no entanto, interpretou a primeira parte desses versículos — que descrevem a vida anterior à terrena — como meras expressões figurativas de uma disposição latente ou potencialidade inata. Já a segunda parte — que trata da vida após a morte — foi explicada por meio de metáforas e recursos simbólicos. No entanto, as evidências textuais de muitos versículos do Alcorão não corroboram essa abordagem interpretativa.
Quanto à primeira categoria (os versículos relativos à pré-existência, como os do pacto primordial e da dhar), trataremos deles em seus devidos contextos. No que diz respeito à segunda categoria, há numerosos versículos que indicam que o castigo e a recompensa no Dia do Juízo se dão com as próprias ações realizadas. Por exemplo:
- “Não se desculpem hoje! Estais sendo recompensados apenas pelo que costumáveis fazer.” (66:7)
- “Então cada alma será plenamente recompensada pelo que tiver feito.” (2:281)
- “Temei o fogo cujo combustível são os seres humanos e as pedras.” (2:24)
- “Que ele convoque seu círculo; Nós convocaremos os guardiões do Inferno.” (96:17-18)
- “No Dia em que cada alma encontrará, diante de si, o bem que tiver feito e o mal que tiver cometido...” (3:30)
- “Na verdade, não comem senão fogo em seus ventres.” (2:174)
- “Apenas introduzem fogo em seus ventres.” (4:10) [Referindo-se a consumir os bens dos órfãos, injustamente]
Esses e muitos outros versículos sugerem fortemente que as ações humanas, no além, não apenas produzem consequências, mas reaparecem como realidades concretas, sendo experimentadas em sua essência.
De fato, mesmo que não houvesse no Livro de Deus senão o versículo: “Estavas em desatenção quanto a isso, então removemos de ti o véu, e hoje tua visão é penetrante.” (50:22), ele já seria suficiente como evidência.
Afinal, a "desatenção" só pode ocorrer em relação a algo real e presente, e o “remover do véu” só faz sentido se aquilo que estava encoberto já existia. Se o que o ser humano presencia no Dia do Juízo não estivesse, de algum modo, presente anteriormente, não faria sentido dizer-lhe que aquilo sempre esteve lá, apenas encoberto por um véu de ignorância ou negligência.
Na verdade, se pedíssemos à própria razão humana que indicasse uma linguagem que expressasse fielmente esses significados profundos — sem recorrer a metáforas ou figuras —, ela não encontraria forma mais precisa do que essas expressões e descrições que o Alcorão nos apresenta.
Em resumo, a palavra do Altíssimo [neste assunto] apresenta-se sob dois aspectos principais:
- 1) O aspecto da retribuição por meio de recompensa e castigo, que é abordado em um grande número de versículos. Esses versículos indicam que aquilo que o ser humano encontrará no futuro — seja bem ou mal, paraíso ou inferno — é, na verdade, uma retribuição correspondente às ações que ele praticou durante sua vida terrena.
- 2) O aspecto da corporificação das ações, presente em outro conjunto de versículos, os quais indicam que as próprias ações humanas — seja por sua natureza direta ou por suas exigências, consequências e efeitos — oferecem realidades desejáveis ou indesejáveis (isto é, recompensas ou punições), as quais o ser humano verá claramente no Dia em que “a realidade for revelada”.
É importante não imaginar que esses dois aspectos sejam contraditórios. A linguagem das Escrituras, como o próprio Alcorão afirma, aproxima as realidades espirituais do entendimento humano por meio de exemplos, analogias e imagens ilustrativas.
Uma análise sobre a palavra Al-Fáseqin (os perversos)
Quanto ao versículo “exceto os perversos”, a palavra “fâsiq” (perverso ou transgressor) é um termo cujo uso específico foi desenvolvido pelo próprio Alcorão [Uma Inovação Lexical]. Etimologicamente, deriva de uma expressão que descreve o momento em que o fruto sai de sua casca. Por isso, essa nova expressão é explicada em seguida: "aqueles que rompem o pacto com Deus depois de tê-lo firmado”. O rompimento, por definição, só ocorre após a existência de um compromisso anterior.
É também por essa razão que, ao final do mesmo versículo, os transgressores são descritos como “perdedores”. A perda só pode se aplicar àquilo que se possui de algum modo. Como afirma o Alcorão: “Em verdade, os perdedores são aqueles que perderam a si mesmos e suas famílias no Dia do Juízo” (42:45).
Assim, é essencial não tomar essas categorias espirituais — como os próximos de Deus (muqarrabûn), os sinceros (mukhlisûn), os humildes (mukhbitûn), os justos (sâlihûn), os purificados (mutahharûn), entre outros; ou, por outro lado, os injustos, os perversos, os desviados, os enganados, os condenados — como meros adornos retóricos ou figuras de linguagem vazias. Tratar esses termos como enfeites ou expressões genéricas enfraquece a compreensão correta da linguagem divina e conduz a interpretações superficiais e equivocadas.
Essas palavras não são termos triviais ou decorativos. Elas representam realidades espirituais precisas, estados de alma e graus existenciais nos caminhos da salvação ou da perdição. Cada uma delas possui, por si, efeitos específicos e características particulares e espirituais. Assim como os estágios da vida humana (infância, juventude, velhice) e as características físicas ou psíquicas produzem efeitos e consequências distintas — que não podem ser atribuídas a estados que não as possuam —, do mesmo modo, essas categorias espirituais são patamares e fontes de efeitos e normas próprias.
Com um exame atento dos versículos em que essas expressões aparecem, pode-se constatar a veracidade e profundidade dessa análise.