Prefácio da Assembléia Mundial Ahlul Bait (A.S.)
Em Nome de Deus, o Compassivo, o Misericordioso
O valiosíssimo legado dos Ahlul Bait (A.S.), que é preservado por seus se- guidores, é uma ampla escola de pensamento que abarca todos os ramos do conhe- cimento islâmico. Essa escola deu ao mundo sábios brilhantes que se inspiraram nesta fonte rica e pura. Dessa forma, a comunidade islâmica teve muitos sábios que seguiram os passos dos Imames sucessores do Profeta Mohammad (S.A.A.S.), e fizeram o melhor para esclarecer e combater as dúvidas e desafios levantados pelos vários credos e correntes filosóficas, dentro e fora da sociedade islâmica. Através dos séculos, os Imames (A.S.) e os sábios que os seguiam ofereceram respostas concludentes frente às dúvidas e desafios que lhes eram apresentados.
Para cumprir com a responsabilidade de levar o esclarecimento acerca do Islam a todos, a Assembléia Mundial Ahlul Bait (A.S.), entidade sediada no Irã, entregou-se de forma integral ao trabalho de defesa da pureza da mensagem islâmica e seus ramos, mensagem esta que frequentemente é atacada pelos partidários de várias correntes e ideologias, algumas, inclusive, severamente hostis ao Islam. A Assembléia segue as pegadas dos Ahlul Bait (A.S.) e seus seguidores, estando sempre pronta para confrontar esses desafios, e dessa forma, estando sempre na vanguarda em relação às exigências de cada época.
Os argumentos contidos nos trabalhos dos estudiosos da escola dos Ahlul Bait (A.S.) são de uma qualidade única. Isso, devido a basearem-se no conheci- mento genuíno e no uso da razão, se distanciando do preconceito e do fanatismo. Os argumentos destes estudiosos e pensadores invariavelmente alcançam as mentes saudáveis, que estão de acordo com a natureza humana.
Para auxiliar todos aqueles que buscam a verdade, a Assembléia Mundial Ahlul Bait (A.S.) tem se esforçado para apresentar os argumentos contidos nos estudos dos pensadores xiitas contemporâneos, e daqueles que aderiram a essa sublime escola pela benção divina. Ainda assim, lembramos que a Assembléia continua engajada na edição e publicação de valiosos trabalhos de líderes xiitas do passado, para auxiliar a todos aqueles que buscam descobrir as verdades que a escola dos Ahlul Bait (A.S.) tem oferecido ao mundo.
Dito isso, declaramos que a Assembléia Mundial Ahlul Bait (A.S.) busca beneficiar-se das opiniões dos leitores e de suas sugestões e críticas construtivas nesta área. Nós também convidamos os sábios, tradutores e outras instituições, a nos auxiliarem na propagação dos ensinamentos islâmicos genuínos, pregados pelo Profeta Mohammad (S.A.A.S.).
Rogamos a Deus, o Altíssimo, que derrame suas benções e clemência sobre o grande pensador islâmico, Ayyatullah Sheikh Mohammad Redha al-Muzaffar (K.S.), o qual deu à nação o melhor do Islam e do seu conhecimento.
Agradecemos imensamente a todos que participaram na concretização desta obra, especialmente ao Centro Islâmico no Brasil, o qual, em parceria com a Assembléia, se encarregou de, por meio da Fundação de Pesquisa, Tradução e Publicação da Cultura Islâmica, ligada ao Centro Islâmico no Brasil e liderada por Sua Eminência Sheikh Taleb Hussein al-Khazraji, publicar o livro que o leitor carrega em mãos “As Crenças Islâmicas de Acordo com a Escola Xiita Imamiyah Ithna Ashariyah”.
Pedimos a Deus, o Altíssimo, que aceite nossos humildes esforços e nos capacite ainda mais, para incrementar nossos trabalhos sob a orientação do Imam Mahdi (que Deus apresse seu retorno).
Departamento de Assuntos Culturais Assembléia Mundial Ahlul Bait (A.S.)
Palavra do Editor
Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
O Príncipe dos Fiéis, Imam Ali Ibn Abi Taleb (A.S.) disse:
“Ó Kumail... lembra o que direi a ti... as pessoas são de três tipos, um sábio divino, um estudante rumo à salvação, e um tolo que corre atrás de cada grito, cada dia vai para uma direção, jamais se ilu- mina com as luzes da sabedoria e em sua conduta nunca se firma a uma base forte.”
Louvado seja Deus, o Senhor do Universo, e que a paz e as bênçãos de Deus estejam com o Profeta Mohammad (S.A.A.S.), seus purificados Ahlul Bait (A.S.), seus bons companheiros e sobre todos os profetas e mensageiros.
O que afasta o ser humano da realidade e da verdade, e o leva a uma queda moral, são dois elementos considerados pragas muito perigosas: o primeiro entre estes elementos é o Pensamento Inútil e o segundo são as Crenças Desviadas, que são as teorias destruidoras, as quais estão muito afastadas da razão e da mentalidade saudável.
Quanto maior o espaço que se dá aos pensamentos inúteis, mais o vazio mental aumenta no ser humano e na sociedade, e mais o ser humano e a socie- dade serão alvos de grupos e ideologias desviadas. Então, na primeira etapa o homem acaba sendo afetado por estas escolas de pensamento desviadas, e em uma segunda etapa acaba sendo utilizado como uma ferramenta destas teorias e ideologias desviadas. Isso acontece quando o homem não possui uma pro- teção mental e teórica, que o resguarda de qualquer invasão maléfica. Invasão esta que torna possível a queda moral do homem, levando-o à ignorância, ao desvio, à maldade e à arrogância. Neste ponto, o homem se afasta totalmente da realidade, da verdade e de uma posição que se baseia no que é racional, o que o aproxima cada vez mais da incompetência mental e da ignorância, e até mesmo da opressão e da injustiça. O exemplo mais realista que podemos apresentar frente a este fato está em tudo que a humanidade passou na história no que diz respeito às guerras, conflitos e desentendimentos, e também em tudo aquilo que a humanidade está passando atualmente como um resultado negativo obtido pelo cultivo de uma mentalidade vazia. Todo este vazio leva a apenas um resultado, que é o desvio e a perdição em todos os sentidos imagináveis, o que atinge a sociedade, a família, a política, a crença, e etc...
Num ambiente igual a este, vazio e inútil, começam a surgir as fraudes, as mentiras e as dúvidas, que levam o ser humano a uma perdição total, o que começa pela crença e prossegue até atingir a vida do homem como um todo. Tudo isto é resultado de uma doença maléfica, cujo próprio ser humano gera em si mesmo.
O segundo elemento que constantemente ataca e traz perigo à sociedade são as Crenças Desviadas, as quais o ser humano carrega em sua mente, sem analisá-las ou meditar sobre elas antes de nutri-las e colocá-las em prática. Estas crenças desviadas, meras teorias e ideologias destruidoras, se infiltraram na mente do ser humano num momento de escuridão, mas, no entanto, o próprio ser humano percebe e tem a certeza de que estas crenças não caminham junto com a razão, e não se alinham a uma mente saudável.
Na verdade, estas crenças desviadas são resultado do afastamento do ser humano do caminho saudável, do caminho que preconiza uma vida, métodos, valores e princípios dignos. Este homem acaba afastando-se do caminho humano e se iguala aos animais irracionais, já que ele passa a ignorar sua própria razão, perdendo a beleza que lhe foi dada por Deus, louvado seja. Beleza esta que se manifesta não apenas através do corpo humano, mas também através de um comportamento que liga o homem ao criador deste universo.
Tudo isto nos leva a conhecer o motivo do envio de tantos profetas e mensageiros, enviados por Deus à humanidade para orientarem o ser humano e guiá-lo através do caminho e método do seu criador, e não pelos seus próprios egos. Eles foram enviados para purificar a essência humana dos pecados, o que faz com que o homem lide com o mundo com a melhor de suas formas, se livrando de tudo que possa comprometer sua pureza e inocência. Estes pro- fetas e mensageiros vieram para combater todo tipo de males que maculam as virtudes que Deus colocou nos seres humanos.
É baseando-se em tudo isto que mencionamos que compreendemos a nossa obrigação em divulgar e firmar a verdadeira crença dentro dos corações, das mentes e das almas. Pois o livro que carrega em mãos, “As Crenças Islâ- micas de Acordo com a Escola Xiita Imamiyah Ithna Ashariyah”, escrito há aproximadamente setenta anos atrás pelo já falecido líder e sábio renovador, Ayyatullah al-Odhmah Sheikh Mohammad Redha al-Muzaffar (K.S.), é uma valiosa esmeralda dos conhecimentos.
Neste livro, de uma forma muito elucidativa, o autor apresenta diversos aspectos da crença dos seguidores dos Ahlul Bait (A.S.), para isso, baseando-se nos ensinamentos dos Doze Imames (A.S.) sucessores do Profeta Mohammad (S.A.A.S.). Em primeiro lugar, o objetivo do autor foi informar a respeito das crenças dos seguidores dos Ahlul Bait (A.S.) através de explicações básicas, e em segundo lugar, desmascarar os inimigos que levantam acusações falsas contra os seguidores dos Ahlul Bait (A.S.).
O Centro Islâmico no Brasil tem a honra de ser a primeira entidade islâmica do Brasil a ter como objetivo a tradução e publicação dos grandes trabalhos dos pensadores e sábios da linhagem dos Ahlul Bait (A.S.) em língua portuguesa. Linhagem esta que em verdade representa o pensamento islâmico original. E mais uma vez, temos a felicidade e a honra de anunciar a conclusão e publicação de mais uma grande obra em língua portuguesa, uma obra que já foi traduzida para dezenas de outros idiomas, como o inglês, francês, espanhol, chinês, urdo, persa e tajique, e de fato, devido a grande importância desta obra, sabemos que a língua portuguesa não será a última língua para qual ela será traduzida.
Apresentamos esta grandiosa e valiosa obra para os queridos leitores que buscam a verdade, e para todos aqueles que verdadeiramente respeitam a cultura, o pensamento e o conhecimento. Rogamos a Deus, o Todo Poderoso, que este livro seja aproveitado no trabalho de divulgação do bem e da verdade, e no combate contra a ignorância e a perdição.
Louvado seja Deus, o Senhor do Universo, e que a paz e as bênçãos de Deus estejam com o Profeta Mohammad (S.A.A.S.) e a sua purificada linhagem.
Sheikh Taleb Hussein al-Khazraji Centro Islâmico no Brasil Rabi al-Awal 1430 Hejrita
Março de 2009
A Vida do Sheikh Mohammad Redha al-Muzaffar
O autor deste livro provém de uma respeitável família, conhecida pelo nome al-Muzaffar. Essa família de acadêmicos e sábios religiosos é muito co- nhecida em Najaf desde o século doze da Hégira. Alguns membros da família residem em al-Jaza’ir, que fica no distrito de Basra (no Iraque).
O pai do Sheikh Mohammad Redha al-Muzaffar, o Sheikh Mohammad ibn' Abdullah, também foi um jurista e um “mujtahid”, e era um “marja'at-taqlid”. Ele nasceu e se educou em Najaf, passou a sua juventude estudando, sendo que as suas únicas outras atividades eram orar e ensinar, até ter se distinguido como um grande jurista. Ele escreveu um comentário muito compreensivo acerca do Shara i' al-Islam que ele chamou de Tawhid al-Kalam.
Mohammad Redha al-Muzaffar nasceu em 5 de Sha'ban de 1322/1904, cinco meses após a morte do seu ilustre pai. Visto que seu pai morreu antes dele nascer eles nunca puderam se conhecer, e Mohammad Redha cresceu sob a guarda do seu irmão mais velho, o Sheikh 'Abdu 'n-Nabi, que devotou tanto amor e afeição pela criança que ela nem chegou a sentir a ausência do pai.
Ash-Sheikh al-Muzaffar cresceu numa atmosfera de estudo em Najaf. Fez parte de vários grupos de aprendizagem, assim como ia à variadas palestras e aulas. Ele freqüentou os mais avançados seminários, e recebeu o reconhecimento de muitos juristas e professores. Desenvolveu toda a sua potencialidade numa das famílias mais acadêmicas de Najaf, sob a guarda dos seus dois irmãos mais velhos, ash-Sheikh 'Abdu 'n-Nabi e ash-Sheikh Mohammad Hassan.
Após ter completado os estudos que são normalmente ensinados nas “madrassahs” islâmicas de Najaf, e após ter atingido um grau de distinção elevado, ele começou a freqüentar as aulas dadas pelo seu irmão as-Sheikh Mohammad Hassan, bem como as aulas do Sheikh Aqa Dia'd-din al-'Iraqui, de jurisprudência islâmica, e as palestras de Mirza Mohammad Husayn Na'ini, de Lei (fiqh) e jurisprudência. No entanto, ele se impressionava profundamente com as aulas do Sheikh Mohammad Husayn al-Isfahani, e estava sempre pre- sente em qualquer tipo de aula ou palestra desse eminente sábio, versado em lei, jurisprudência e filosofia. Ele estava tão impressionado com o professor que nunca falhou em prestar-lhe o maior tributo sempre que a ocasião permitia. Ele seguiu o método desse sábio religioso quando fez o seu próprio trabalho acerca da jurisprudência islâmica “Usul al-Fiqh”.
O seu interesse nos estudos foi notado por todos os seus professores e pelas autoridades das academias religiosas em Najaf, por isso, lhe foi concedido o mais elevado grau de ijtihad. É importante relembrar que durante os seus estudos, Sheikh Muzaffar permaneceu como um ativo professor de lei, jurisprudência e filosofia. No entanto, a sua maior ocupação foi o estabelecimento do “Muntada an-Nashr”, um instituto de publicação de livros modernos, com o propósito de renovar o ensino das “madrassahs”. Devotou a sua vida ao crescimento e desenvolvimento do instituto, a necessidade que ele conhecia bem porque a tinha obliterado para fazer frente às novas formas de pensar oriundas das modas intelectuais que enfrentou.
Ele fez do maior propósito de sua vida o renascimento do ensinamento islâmico, e para chegar a esse ponto ele escreveu vários livros num estilo que fosse visto como mais moderno para os estudantes, e nisto foi extremamente bem sucedido. Combinou a beleza de expressão com exatidão e significado, e tinha tal dom da palavra que nunca abdicou do seu estilo simples pelas exigências da matéria, nem por uma correta exposição destes temas ao nível de estilo. Escre- veu com uma convicção que faz com que ele carregue o leitor para onde quer que queira levar. Ele está no auge do seu poder no livro “Ahlam al-Yaqzah” (Os Sonhos Reais), onde entra num tipo de comunhão com o seu professor espiritual Mulla Sadra (as-Shirazi). Este livro coloca-o entre os mestres da metafísica, pois nesta obra ele coloca questões ao seu mentor e pede uma resposta, revelando os maiores problemas metafísicos através das mais belas anedotas. Ele consegue manter este mesmo estilo no seu outro livro sobre lógica, “Al-Mantiq”.
Não menos notável é a sua habilidade como contador de histórias, quando relata o evento na Saquifah de Banu Sa'idah após o falecimento do Profeta Mohammad (S.A.A.S.), que está provado que foi a causa de todas as divergências entre os muçulmanos.
Eventualmente, Sheikh al-Muzaffar, por causa do seu zelo por au- mentar o nível de educação e status acadêmico dos professores das ciên- cias islâmicas, tornou-se o membro mais ativo de todas as organizações formadas com esse propósito. Sentiu que a reforma era necessária não só no campo acadêmico, mas no campo da propagação do Islam também.
Deve ser notado que o ensino nas “madrassahs” em Najaf tem duas etapas. A primeira consiste num estado preparatório em que se ensinam tex- tos para preparar o estudante para avançar para a segunda etapa, em que ele deve freqüentar as aulas e obter conhecimento especializado. Foi no estado preparatório que Mohammad viu a necessidade de reforma. Ele viu que novos livros precisavam ser escritos e novas disciplinas tinham que ser estabelecidas, e então, ele fundou o Kulliyah al-Fiqh, o Colégio dos Estudos Islâmicos.
Em termos de apresentação do pensamento islâmico, existem dois ramos: a oratória e a escrita, e o Sheikh prestou igual atenção às duas. Através do Muntada an-Nashr, o instituto acima mencionado, conseguiu formar uma nova geração de oradores, e publicar um novo estilo de livros. O colégio, Kulliyah al- Fiqh, também acima mencionado, foi fundado em 1355 A.H., e em 1376, Muzaffar conseguiu que se tornasse um instituto educacional completo, que obteve reconhecimento do governo através do ministério da educação em 1377 A.H. Ambos os estabelecimentos permaneceram sob a sua responsabilidade até ao fim da sua vida, e não poupou nem dinheiro nem energia para vê-los florescer.
Como homem, era livre de egocentrismo, nunca guardou rancores de ninguém. Rendeu os seus serviços ao Criador somente, e não prestou atenção às recompensas de outros. Acabaremos a sua biografia com as suas próprias palavras.
“Estamos preparados para novos sacrifícios, estamos prontos para de- sistir das nossas atividades assim que encontrarmos alguém que assuma a responsabilidade, quanto mais se isto vir a resultar no surgimento de
mais instituições. Estas pessoas devem ser confiantes que assim que passarmos para as suas mãos a administração da casa, não devemos cessar a servidão a esta causa com o máximo de nossas habilidades. Estas nossas expressões são sinceras, não meramente para mostrarmos as nossas boas intenções. Interpretar apenas um papel não é de nenhu- ma importância, o que é importante é que se vá em frente, para além das fronteiras de Najaf, e que as pessoas cumpram os seus deveres com perfeição. Não importa o preço, nem que seja o preço das nossas almas, e quão barato isto seria se um dever estiver feito”.
Mohammad Mahdi al-Asafi
Introdução
1. Doutrina da Necessidade de Buscar o Conhecimento
Nós acreditamos que Deus nos dotou de discernimento e de intelecto, e que nos ordenou que meditássemos sobre a Sua Criação, para que nela descobrís- semos os sinais do Seu Poder e da sua Glória, espalhados por todo o Universo e dentro de nós próprios. Numa passagem do Alcorão lê-se:
“De pronto lhes mostraremos os Nossos sinais em todas as regiões (da terra), assim como em suas próprias pessoas, até que lhes seja esclare- cido que ele (o Alcorão) é a verdade. Acaso não basta teu Senhor, Que é Testemunha de tudo?” (C.41 – V.53)
Allah, Deus em árabe, dá-nos conta da sua desaprovação por aqueles que, cegamente, e sem questionar, seguem os modos e costumes dos seus antecessores:
“ ... Dizem: Qual! Só seguimos as pegadas dos nossos pais! Segui-las-iam ainda que seus pais fossem destituídos de compreensão e orientação?” (C.2 – V.170).
O Clemente condena igualmente o egoísmo no Homem, e desaprova os que agem pensando apenas nos seus interesses pessoais.
“ ... porque não professam mais do que a conjectura ...” (C.6 – V.116).
Na verdade, o nosso intelecto incita-nos a refletir sobre a natureza da Criação, de modo a compreender o próprio Criador do Universo, da mesma forma que tentamos compreender a legitimidade ou não, dos que se procla- mam Seus Profetas e dos seus milagres. Não se deve aceitar, sem indagar ou refletir com o menor senso de crítica, as idéias de outrem, mesmo que se trate de alguém dotado de elevada inteligência ou posição social.
O Alcorão incita-nos a refletir sobre a natureza da Obra de Deus, a estudar o mundo que nos rodeia, e adquirir o conhecimento fazendo uso da nossa liberdade de pensamento que é instintiva, sobre a qual todos os grandes pensadores islâmicos estão de acordo, de forma a iluminar a razão e a capacidade do engenho humano.
Assim, é obrigação do Homem jamais negligenciar essas capacidades com que foi dotado e que são as bases da sua fé, escolhendo seguir cega- mente a opinião de pretensos sábios. Ele deve usar o seu discernimento e inteligência para procurar as respostas para os grandes mistérios da fé, e tentar compreender os fundamentos do Islamismo1, tal como os conceitos que se referem à Unicidade de Deus2, a Profecia3, o Imamato4 e a Ressurreição
O Homem deve tentar compreender esses assuntos, e não apenas seguir aquilo que foi dito pelos seus antecessores sobre os mesmos.
Salientamos então dois aspectos muito importantes:
- Há que tentar compreender e examinar os fundamentos da nossa crença, e não apenas acreditar naquilo que sobre ela nos foi dito;
- As escrituras sagradas poderão confirmar os fundamentos da nos- sa crença, mas o mais importante é tentar compreendê-la e fazer uso da capacidade de raciocínio com que fomos dotados.
- “Taqlid” e “Furu-ad-din”: o dever de seguir as leis religiosas.
É dever dos muçulmanos viver de acordo com as várias leis inspi- radas pela fé6. O seu relacionamento com a lei religiosa pode assumir as seguintes formas:
- o homem pode estudar a lei alcorânica até se tornar um sábio7.
- o homem pode exercer a precaução jurídica8 se for capaz disso.
- o homem pode seguir os ensinamentos de um sábio justo e reco- nhecido9, conhecedor profundo da lei religiosa.
É muito importante que o nosso relacionamento com a lei alcorânica se enquadre num destes parâmetros. De outro modo, para o credo xiita do Islamismo, por mais justos e benévolos que sejamos, e mesmo que cumpramos todos os nossos outros deveres religiosos, estes são em vão perante os olhos de Deus. É nossa crença que as nossas boas ações nesta vida apenas terão algum significado quando escolhermos seguir os ensi- namentos de um homem sábio e conhecedor da Lei de Deus.
3. Doutrina da Necessidade do Raciocínio Jurídico “Ijtihad”
Na ausência do Imam, seguir a lei religiosa, isto é, Ijtihad, é necessá- rio para todos os muçulmanos. É nosso dever respeitar e seguir as orien- tações religiosas de um Mujtahid, um homem sábio e conhecedor da Lei. Os muçulmanos devem empreender esforços para se tornarem Mujtahid, isto é, alcançar o grau de sabedoria inerente a esta posição. Quando isso não for possível, devemos encorajar todos aqueles que o pretendem ser. Devemos seguir sempre as orientações de um Mujtahid que ainda esteja vivo e, na ausência deste, não há obrigatoriedade de seguir um Mujtahid já falecido.
Ijtihad significa examinar e estudar as fontes da Sharia, a Lei Alcorânica, de modo a conhecer os mandamentos religiosos trazidos pelo Profeta Moham- mad (S.A.A.S.), e que mantêm a sua atualidade até aos nossos dias, de acordo com a Hadith10:
“O que Mohammad (S.A.A.S.) decretou como halal11 assim o será até o Dia do Juízo Final, e o que ele decretou como haram12 assim permanecerá até esse dia”.
As fontes da Sharia são o Alcorão, a Sunnah - isto é, os ensinamentos do Profeta (S.A.A.S.) e dos Imames (A.S.) -, o bom senso, a razão, tal como mencionados nos textos da nossa tradição religiosa. Para se chegar à posição de Mujtahid são precisos muitos anos de árduo estudo, e só os mais persistentes e estudiosos conseguem alcançar essa posição.
4. Doutrina da Posição do Mujtahid
O Mujtahid é um homem que, pela sua sabedoria, representa o Imam, quando ele está ausente. Assim, lhe é conferida uma posição muito especial entre os muçulmanos, cabendo-lhe zelar pela eficiente administração das leis junto ao povo. O Imam Jafar Assadeq mencionou certa vez:
“Negar a autoridade do mujtahid é negar a autoridade do Imam, e negar a autoridade do Imam é questionar a autoridade de Deus, e um pecado idêntico ao do politeísmo13”.
Assim, o Mujtahid não só emite as Fatwas14, mas também exerce auto- ridade junto aos muçulmanos, que podem consultá-lo sobre qualquer assunto. Só ele pode se pronunciar sobre determinados assuntos, e ninguém pode emitir certas sentenças sem a sua aprovação. Ele é também o guardião de tudo o que herdamos do Imam.
Tal autoridade é-lhe reconhecida pelos nossos antigos Imames, que assim o decretaram caso estivessem ausentes. Ele é assim o representante direto do Imam.